Entretanto, Ferreira, que em tempos idos deixara no ar a hipótese de se candidatar a Belém, vai já pavimentando esse caminho. Presumo que para esse desiderato contará com o apoio do ilustre Senador, antigo cabeça de lista nacional escolhido pelo então primeiro-ministro José Sócrates, cônjuge de membro dos governos por aquele capitaneados e actual colega europarlamentar de Silva Pereira - entre outros -, e que do alto da sua (senatorial) experiência política nos alerta para o processo em curso, que será alimentado pelas tais "redes sociais" e pela imprensa "monopolizada". Processo no qual "o Ministério Público, entretido que está na sua guerrilha diária contra o Governo e os políticos, por via do seu órgão oficioso, o Correio da Manhã," minam a democracia, tal como ela deve ser. Esperemos então pelo pacote legislativo que nos defenderá da perfídia ôntica da ralé das "redes" e dos ilegítimos anseios dos capitalistas da comunicação social.
O ataque em curso ao sítio b-ok e seus múltiplos locais é uma pérfida manobra do capital corporativo. O livre acesso impõe-se. E não me venham falar de direitos autorais... Cobrar dezenas de dólares pelo acesso a artigos científicos com décadas, por exemplo? Exigir filiações institucionais para aceder aos corpos bibliográficos? Explorar os financiamentos estatais às universidades? Inaceitável.
Posto de outra forma: o b-ok é uma preciosa, inestimável, fonte da democratização do saber. Não é "pirata", é corsário!!!!
Há um bom par de anos que chamei a este facebook a "likeland", a terra onde partilhamos aprazíveis "gostares", uma verdadeira "utopia" de bem-estar moral. Não é um defeito, é uma saudável panaceia que nos intervala os males do mundo. Cada vez isso mais me é visível, pelo menos no nicho das interacções que o algoritmo anima entre as minhas milhares de ligações - os "amigos-FB" com os quais interajo, neste "comércio" mais ou menos frequente de "sorrisos", "anuências" e "saudações", os "likes" (e "comentários"), que (n)os vão fazendo verdadeiros vizinhos, pois nomes que se me vão tornando conhecidos mesmo que nos desconheçamos na vida real, essa incómoda "real land", tópica.
Mais percebo isso pois as nossas características, as desta minha "comunidade" de entreajuda moral, a dos envolvidos neste nosso (quase)diário "estamos juntos", que se quer avessa à solidão - mesmo que enfrente apenas o "sozinhismo" -, implica que me acolhem com ruído prazeroso e solidário, e assim basto "gostável", as novas e notas da minha vida: uns dizeres sobre o meu Sporting, ecos de uma patuscada entre amigos reais, um resmungo com a minha ciática que afinal também é gota mas esta, afinal e vá lá, é apenas um entorse, ainda que bastante incomodativo, um sucesso da minha (magnífica) filha, um livrito para o qual me consegui concentrar, uma memória do "meu" Moçambique, uma nota sobre um bom filme visto na TV ou sobre uma tasca que descobri, uma piada menos brejeira que recebi no Whatsapp. E algum, escasso, etc.
Já algo oposta é a reacção se me ponho a opinar, ou a ecoar opiniões alheias, sobre os "males do mundo", os da tal "real land". As quais vou percebendo como uma violação do protocolo que nos une aqui, neste espaço de suspensão das preocupações e querelas, essas que preenchem a vida e, também, os dizeres nas "rádio, tv, disco e cassete pirata" que nos inundam o quotidiano. Que colhem um silêncio que não será exactamente uma discordância comigo ou com a minha forma - pois para isso há o "desamigar", o neologismo daqui - mas muito mais um até mudo "ó amigo/vizinho Teixeira, deixe-se disso, quer falar de coisas sérias, incómodas? Guarde isso para os blogs, homem...". Ou, até, "para si...", num "já viu como está a sua vida? Estivesse estado você calado...!", que é coisa que não é raro dizerem-me os da "vida real".
Enfim, resta-me anuir a este nosso protocolo (numa concordância ao velho mandamento "se está mal mude-se"). Aceitar esta nossa prazerosa "likeland" tal qual ela é - ainda que consciente e convicto de que esta terra não é a Cocanha.
Mas ainda assim deixo, pois renitente, uma citação que Paulo Sousa colocou agora no Delito De Opinião, sobre esta nossa terra Portugal. Um excerto de um texto que não é de um furioso esquerdista nem de um paladino do professor Ventura, nem de um publicista da sempre pérfida "oposição". É de Ricardo Costa, director do tão institucional de alinhado "Expresso" e também irmão do nosso primeiro-ministro desde 2015. Deixo-a aqui, à transcrição, sabendo que poucos "gostarão" dela. E que, pior ainda, poucos nela atentarão. Pois afronta o sossego identitário de tantos dos "vizinhos":
Uma familiar muito próxima está a fazer mudanças em casa. Na sua constante azáfama pediu-me ajuda para se libertar de alguns itens através da célebre OLX (mobiliário, roupas, livros e brinquedos em bom estado, pois as crianças vão para adolescentes).
Assim estou a fazer. Acabo de colocar anúncios (na conta dela daquela plataforma, note-se) de dois tapetes (belgas, 2,30X170, em excelente estado, para quem se possa interessar), a preços muito decentes.
Levanto-me, vou fazer um café, enrolo o primeiro cigarro do dia (duas horas e meia depois de acordar, não está mal...). Regresso ao ecrã e abro o Facebook para enquanto fumo. O meu mural está encimado pelo anúncio de uma "Feira de Tapetes" digital...
Não há dúvida, um tipo é vasculhado até ao âmago. Até ir ao tapete, por assim dizer...
Ontem a simpática rubrica da SAPO de Destaques realçou este postal, dedicado aos tão habituais abrasivos comentários anónimos nos blogs, e aventando o seu hipotético efeito inibidor, indutor do abandono blogal - e ainda mais interessante é o texto dado que se trata, explicitamente, de uma reflexão sobre bloguismo não político, o qual aparentaria comportar um registo mais plácido nas opiniões recebidas.
O assunto é velho como o mundo (blogal), e já em 2006 Pacheco Pereira abordou na imprensa o ambiente do comentariado anónimo nos blogs, suscitando críticas que recorriam a uma (pobre) argumentação, a qual se veio mantendo entre o cada vez mais esconso reduto bloguístico. (Então transcrevi artigo e respostas aqui). Blogando há 18 anos muitas vezes me referi a este tema, tanto no meu velho ma-schamba como, mais recentemente, nos colectivos És a Nossa Fé (no qual escrevi) e no Delito de Opinião. E foi neste último que, há poucos meses, deixei uma súmula, nada ensaística, do que penso desse ambiente, o postal "Têm os Anónimos Mães?".
Mas é relevante a grande diferença entre a interlocução nos blogs e na outra rede social escrita verdadeiramente dialogante que uso, o Facebook (sobre o distraído reducionismo de "redes sociais" ao FB - e ao Twitter - escrevi aqui). De facto, e por mais que haja - em particular entre bloguistas - críticas ao Facebook, seja por lhe invectivarem uma superficialidade temática e formal, seja pela denúncia das esconsas práticas da empresa, neste âmbito da interacção dialogante o ambiente daquela rede social é bem mais plácido. A razão é simples: a menor incidência de anonimato, ainda que seja evidente a existência de perfis falsos, associada à possibilidade de "bloquear" interlocutores. Mas é mesmo a menor presença do anonimato que em muito reduz a tendência para a agressividade espúria que se nota em tanto do comentariado blogal, o qual acolhe uma espécie de catarse digital das angústias gerais, como se nós bloguistas tivéssemos funções de "cuidadores" morais dos desapossados psicológicos...
Não é assim no Facebook. Nota-se ali uma tendência plácida. Também esta será um pouco artificial - não sendo um reflexo do estado geral -, assim servindo a plataforma para que cada um componha a sua pose pesssoal, a sua "personagem", como indivíduo atento, simpático e até gracioso, "amável" na sua distribuição de gentilezas ("likes") e saudações ("comentários") - tendo há anos o sistema-FB retirado a função de aceno ("poke").
É notório que há no FB (português e moçambicano - que são os que acompanho) alguns intervenientes, personalidades públicas, que têm murais muito concorridos e com interacções por vezes polémicas - principalmente no domínio da política (o futebol é um "mundo" específico...). Mas na maioria dos casos, a nossa, o conteúdo das interacções é simpático. E essa simpatia é reforçada, balizada, pela atenção que os intervenientes vão dando aos assuntos abordados. Ou seja, se um assunto é hipoteticamente polémico os "amigos-FB" por ele passam, ou não lendo ou não dando sinal disso. Se o tema é "pacífico", na tal placidez convivencial, é acolhido com satisfação.
Ilustro com o meu caso: este blog Nenhures é pouco acedido, mas o meu mural de Facebook é algo agitado. Ultimamente tenho escrito vários postais sobre refeições, restaurantes, pequenos passeios, sucessos familiares ou traços mais ou menos patuscos do quotidiano, "la joie de vivre" acantonada no remanso envelhecido. Os quais são acolhidos com simpatia, de modo sonoro e visível. Outros dias, de outros humores, deixo postais algo opinativos, ecoando a minha "visão do mundo" ou do "estado da nação", os meus resmungos. E a mesma gentilíssima rede de amigos-FB flana sobre esses textos... Sem contestação, sem críticas, sem polémicas. E, evidentemente, sem insultos. Apenas flana... Eu assumo a mesma atitude, não contesto em murais alheios as opiniões que possam ser sensíveis - posso propor alternativas musicais, recomendar outro restaurante, apontar temperos diferentes, brincar com resultados futebolísticos, etc. Mas não enfrento algumas opiniões substantivas sobre temáticas delicadas, ideológicas ou políticas, e muito menos religiosas.
Grosso modo, reina no FB um saudável ambiente, que também tem notórias dimensões de solidariedade moral (o acompanhamento das doenças e o sector necrológico são crescentes). E o qual se reflecte, no registo opinativo, na consagração de um "não chateio, não me chateiem", ou seja, não impinjo opiniões polémicas, não me impinjam as vossas... Exemplifico com dois recentes postais meus: emocionado, botei um postal sobre Rushdie, assunto relevante e texto crítico que (digo eu) ficou bem conseguido, o qual passou quase incólume à atenção dos "amigos-FB"; depois, divertido, botei um postal sobre os bilhetes para o espectáculo dos Coldplay, texto escrito de rajada sobre um mero "fait divers", o qual recolheu imensa atenção. É uma boa súmula das simpáticas interacções no Facebook. Tão distante, tão diferente, da destrambelhada malvadez anónima das catacumbas blogais.
E é por isso que concluo com uma proposta: o hino do Facebook deveria ser esta já velha canção dos The Kinks, "Act Nice and Gentle". Pois ali, até implicitamente através destas práticas, tantos entoam "(...) Just show some civility / Act nice, act nice and gentle to me / (...) I'm not difficult to please / Act nice and gentle to me / (...) S'throw away your false eyelashes / Act nice, act nice and gentle me / Holdin' my hand /Understand / Act nice / Act nice, act nice and gentle to me".
E isto, o conteúdo desta cançoneta, ao contrário do que muitos podem querer clamar, é o fundamental. Ainda que às vezes nos possamos (falo por mim) disso esquecer.