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Nenhures

Nenhures

13
Nov22

Rushdie

jpt

LEr rushdie.jpg

Aqui deixei nota da minha preferência pelas revistas antigas, com os anos passados sobre a sua edição a depositarem uma pátina, um composto químico de carinho e ironia, sobre as grandes proclamações, inevitabilidades, sensações e novidades que nelas se anunciam, algo que me delicia como leitor retardatário. No fundo, é a produção do ambicionado "olhar distanciado", coisa que o decorrer dos tempos ajuda a florir ainda que não seja - nem de perto nem de longe - factor suficiente. Mas nem sempre é esse o fruto desta distância, há casos em que um exemplar antigo nos surprende, na sua qualidade e pertinência, num espontâneo "caramba, já faziam coisas assim naquele tempo?", óbvia distracção a confundir o pó (e odor) acumulado em meia dúzia de anos com uma evidência de eras bem transactas, qual verdadeira "escavação" na história intelectual...

Tenho a casa atafulhada dessas velhas revistas, grande parte delas legado paterno e algumas até de origem avoenga, e vou folheando-as por desfastio. Para por vezes me encantar, com peças mais excêntricas ou recuadas ou, como agora, com algo bem mais vizinho, um belíssimo produto lisboeta com apenas meia dúzia de anos. Falo do nº 144 (Inverno 2016/2017) da LER, revista com a qual durante tive uma relação de completo evitamento, abominando-lhe paginação, corpo de letra e, acima de tudo, as cores do miolo - uma malvada conspiração gráfica que a fazia verdadeiramente ilegível, e isso numa época em que eu nem sequer usava óculos. Felizmente há já bastante tempo que a  publicação sofreu uma revolução "artística", tornando-a acessível ao "povo óptico", decerto que sob o glosado lema "a revista a quem a leia..."

Pois esta LER 144 é uma preciosidade: pela panóplia das então "novidades" editoriais e os necessários debates / polémicas - e o Nobel acabara de ser atribuído a Dylan, algo que fora um abalo tectónico no "campo literário". E nas rubricas habituais, como a coluna de Eugénio Lisboa, veemente no resmungo com James Joyce (iconoclastia que vem continuando, nas suas magníficas entradas no De Rerum Natura). Ou em peças mais construídas, como um interessante artigo de Vasco Rosa sobre o início da carreira literária de Raul Brandão, enorme escritor que muito mais deveria ser lido, e cujo centenário então se comemorava, ou uma abrangente entrevista de António Araújo sobre o seu livro "Da Direita à Esquerda" (que nunca li mas que aceitarei emprestado). Tudo isto quase culminando em dois preciosos, de fundamentais, artigos: "Liberdade vs Politicamente Correcto", de Camille Paglia, e "O Firme Princípio da Liberdade" de Timothy Garton Ash. Enfim, tudo isto será suficiente para transformar esta "revista velha" em algo de muito apetecível, pelo interesse e pela actualidade. 

Mas de facto tem ainda mais: uma entrevista (de 6 páginas, realizada por Isabel Lucas) de Salman Rushdie, feita aquando da sua visita a um festival literário em Óbidos. A qual tem uma parcela comovente, na qual o escritor - então aproximando-se de septuagenário - alude ao final, em 2000, do longo período em que viveu sob protecção devido à condenação à morte emitida pelo terrorismo estatal iraniano. Dizia ele: "Ter aquele aparato de segurança durante 11 anos e de repente decidiram parar. Para mim, 48 horas depois foi como se nunca tivesse acontecido. (...) É tão maravilhoso. (...) Só penso nisso quando tenho de responder a perguntas de jornalistas. O resto do tempo estou a ter uma vida normal. (...)

Eu não sou uma metáfora. Sou uma pessoa. Não me sinto metafórico, mas muito exa[c]to, concreto. Fiquei muito cansado disso tudo, porque já não vivo mais assim. Houve um tempo em que sim, e agora, e desde há muito tempo, não. Estou muito interessado no que se passa no mundo, mas essa já não é a minha história. É a história de outras pessoas. O meu capítulo particular terminou." (pp. 104-105).

Anos passados, e face aos efeitos devastadores do brutal atentado que Rushdie veio a sofrer já este ano, estas declarações, a crença que nelas vivia, são comoventes. E servem-me também para sublinhar o meu desprezo pelos políticos da "esquerda socialista" que fazem gala em matizar o repúdio face ao terrorismo do fascismo islâmico - algo sobre o qual, metendo o nome aos bois, botei neste postal.

05
Out22

Velhas revistas

jpt

estante.jpg

(Postal para o Delito de Opinião)

Sempre fui fraco leitor de revistas, generalistas, especializadas ou mesmo profissionais - excepto das de banda desenhada, que tanto me moldaram gosto e ser. Razões para tal nem as tenho claras, pois de algumas delas até gosto, será mesmo um qualquer infundamentado desconforto com o molde, uma parva embirração. Mas de uma coisa gosto, isto de folhear as revistas antigas que se amontoaram em casa, as herdadas e as que fui comprando - tantas destas para apenas as entreabrir, até com fastio, apesar do interesse imediato ao vê-las, feito compulsão compradora (quando dessa maleita podia sofrer) -, soslaios que permitem um sorridente aquilatar da realidade das "novidades" ou "dramas" que foram apregoados, com mais ou menos veemência...

Neste Verão já findo recebi os dois últimos caixotes de livros (e revistas) vindos da minha mãe, as partilhas familiares da pequena biblioteca que a acompanhou nos últimos anos na "residência" (o lar de terceira idade). Nesse conjunto vieram mais algumas revistas, das que restaram, "sobreviventes" à habitual partilha deste tipo de leituras. E que me fazem, saudoso, lembrar de quando após um almoço familiar levámos a nossa mãe (e avó) à papelaria vizinha, a qual abastecia diariamente a residência do inevitável duo Correio da Manhã e Público. E do (genuíno) encanto da proprietária diante daquela já nonagenária ainda arguta e, ainda por cima, francófona e anglófona. E logo ali se combinou que providenciasse ela a entrega diária de revistas e jornais que julgasse apropriadas ao gosto e interesses da minha mãe, que a gente pagaria mensalmente... Para alguns meses depois resmungar eu - já então a sopesar os custos do rancho e a racionar o Amber Leaf e o Queen Margot - a "conta calada" daquilo tudo, que do "Paris-Match" e "Hola!" britânica até à "Magazine Littéraire" tudo lhe ia chegando, e do meu murmurado e miserável ataque de sovinice, eu leitor diário do "Record" a criticar "raisparta, a mãe nunca leu estas tralhas ao longo da vida, para quê comprá-las agora?", as revistas "sociais", entenda-se, como se matar o tempo não fosse o fundamental, não seja o fundamental, antes da morte que se nos aproxima...

Enfim, divago, pois o que queria trazer a este postal é esta revista "Estante" que algum de nós lhe levou e que me chegou agora. De 2018, o número 17 desta simpática iniciativa - uma revista literária bem conseguida, no grafismo e no conteúdo, num registo adequadamente "leve" mas não superficial. 10 000 exemplares distribuídos gratuitamente pelos clientes da FNAC - e serve agora para memória (talvez surpreendente para as gerações mais novas) de uma longínqua época em que a cadeia FNAC vendia livros, uma era já finda na história económica.

E o que me apelou a recuperar este exemplar é um dos seus artigos, no qual os jornalistas Carolina Morais e Tiago Matos indagaram a sete escritores e editores "quem merecia o Nobel da Literatura de 2018?", pergunta bem adequada a este tipo de revista, muito mais tendente à divulgação literária do que a  uma reflexão crítica sobre pertinência das premiações e dos seus critérios e, ainda menos, às dinâmicas estruturantes do(s) "campo(s) literário(s)". E ler o resultado dessa demanda promove agora um sorriso, algo entristecido. Pois Ana Teresa Pereira, Carlos Vaz Marques, Francisco Vale, Hélia Correia, Isabel Lucas, Manuel Alberto Valente e Pedro Mexia (o grupo inquirido) deram, obviamente, várias pistas. Mas no final o escritor que sobressaiu como desejável premiado em 2018 foi Javier Marías. Pois, a Academia Sueca atrasou-se, irremediavelmente...

(Nem de propósito, eu a esquiçar este postal e a encontrar o Pedro Correia a inaugurar uma, ambiciosa, série...).

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