Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Viver é ver morrer os nossos, os queridos e os ídolos, um contínuo desmate afectivo. Morreu agora Keita (o Keitá! dos locutores radiofónicos de então, Salif Keita Traoré), o enorme jogador maliano, uma estrela daquela época - e hoje seria uma macro-estrela global... - que o Eterno Presidente, Senhor João Rocha, teve artes de trazer para o Sporting.
Na época o divino Vítor Damas partira para a malvada Espanha, de onde nada de bom vinha, o herói Agostinho andava pelas Franças aos (gloriosos) terceiros lugares, e o nosso Hermes Carlos Lopes fora ultrapassado pelo finlandês Viren. E Yazalde transferira-se - pela fortuna de 12 500 contos (60 mil euros) - para Marselha, bem antes do malandrete Tapie lá mandar. O nosso panteão estava um bocado desertificado, enquanto os atrevidos lampiões controlavam o Portugal do PREC como o haviam feito no ocaso do Estado Novo, e a diabólica parelha Pedroto-Pinto da Costa começava as suas tétricas manigâncias, que ainda hoje perduram.
Mas no José de Alvalade ascendeu uma Trindade, em avatar de "tridente" (como então não se dizia), a preencher-nos o culto. Eram o sempre nosso "Manel" (Fernandes), o fabuloso Rui Manuel Trindade (lá está) Jordão - o que teria este avançado hoje em dia, um génio do futebol! E Keita! Chegado já trintão, veterano de inúmeras pelejas, fugido de Espanha - tal como Jordão - por razões de maus-tratos rácicos na imprensa (os tempos de então eram bem piores do que os de hoje). Classe pura, distribuindo júbilo pelas bancadas - ainda me lembro, ele, mesmo já o tal veterano, a meter a bola por um lado do defesa e a ir buscá-la pelo outro, que jogador é que faz isso hoje, todos amarrados às tácticas, à "posse de bola" e às "coberturas"?... Era o Maior!
Acima de tudo, muito mais do que paixão o futebol - nisso entenda-se o quotidiano Sporting e, ocasional e secundariamente, a selecção nacional - é-me um placebo. Ou seja, aos desaires trato com um lesto e dialogante monólogo interior feito de viscosos palavrões e vigorosas invectivas às Entidades desavindas, ou mesmo através de resmungos partilhados com a escassa vizinhança, e logo me dedico a outras temáticas, decerto que não mais relevantes. E nos triunfos significativos - não tão habituais assim, dada a minha amada "condição" sportinguista - emerge-me um frenesim exultante que recobre, dissolve até, todas as agruras e desconchavos da (minha) vida, reacção alquímica que leva, felizmente, alguns dias a fenecer.
A vitória londrina de ontem, com o Sporting a arrumar o este ano fortíssimo Arsenal - meu clube inglês desde petiz -, e após um primeiro jogo em que havia sido basto prejudicado por uma arbitragem reverente ao poder mediático, foi um desses momentos de felicidade (a qual nunca é espúria, seja lá qual for a sua causa) para mais tarde recordar - e a fazer-me lembrar uma outra vitória épica, quando há uma década se eliminou o Manchester City, jogo que vi em Maputo entre queridos amigos sportinguistas, alguns dos quais já cá não estão, numa noite terminada, alguns de nós numa euforia já algo inebriada, a pagar luxuosas rodadas generalizadas nos restaurantes da Julius Nyerere e a ofertar rosas a todas as mulheres - para gaúdio de um noctívago vendedor ambulante... Despesa que quase teria custeado a minha ida a Manchester....
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.