Em meados da década de 1970, a nossa revista semanal "Tintin" era um verdadeiro luxo. Sob os célebres arrais Vasco Granja e Dinis Machado - este que viria a botar o tão influente "O Que Diz Molero", uma pérola...-, agregava o que era publicado na "Tintin", na "Pilote" e ainda na "Spirou", conjugando a "ligne claire" (dita de Bruxelas) com "escola de Marcinelle".* Pouco depois dos meus 10 anos, na era do PREC, nela houve uma "revolução coperniciana". Foi a introdução de autores que então pareciam menos atreitos canónicos, como Derib, Auclair, Cosey, etc. E Pratt, ainda para mais chegado no preto-e-branco que a tantos desagradou. Essas novidades provocaram uma enorme polémica no sempre animado "correio dos leitores" - verdadeiro prenúncio das "redes sociais", poderemos dizer se hoje revisitarmos a revista -, opondo os (jovens) "conservadores", militantes dos heróis já estabelecidos, aos "(jovens) turcos", paladinos das inovações havidas. Descobri-me "centrista", na concertação entre o afã jubiloso com que perseguia as odisseias de Comanche, Alix, Clifton, Blueberry e as de Jonathan, Simon du Fleuve ou Buddy Longway.
Pouco depois, e ainda na minha puberdade, surgiu a brevíssima revista dedicada ao Spirit (talvez seis números apenas), assim descobrindo Will Eisner que logo me encantou. Depois fui crescendo e chegando a outras revistas, outros autores e heróis. Mas antes havia tido uma excepção no meu encantamento: nunca tinha entrado em Tardi, de que fora publicada o início da série Adèle Blanc-Sec ainda na minha adolescência. Pois a este autor só quando adulto vim a aderir. E muito.
E sim, ele é o homem da I Guerra Mundial, da absurda hecatombe dos poilus, obsessão temática que ele próprio reconhece. Quando se celebrou o centenário do Armistício em Portugal - entre um gigantismo militarista totalmente anacrónico e um discurso falsário do presidente da República (que teve o desplante de apresentar a participação portuguesa como se fosse dotada do conteúdo de uma participação na II Guerra Mundial, se associada aos Aliados) - botei, em cima das minhas memórias de Tardi, a minha repugnância por tais dislates. Sublinhada por estar então a viver na Bélgica, onde as comemorações (bem mais sentidas, como é óbvio) estavam despojadas de tais militarismos, patéticos triunfalismos e falsidades históricas. Enfim, foi a Tardi que recorri, tamanha a influência que ele teve na minha visão da nossa História. E o encanto que tenho diante da sua obra gráfica.
Por isso aqui deixo duas entrevistas em registo autobiográfico: esta, ao longo de cinco "fascículos" radiofónicos. E uma entrevista audiovisual:
* Para uma breve história da revista "Tintin" portuguesa ver este artigo de Carlos Maria Bobone; sobre as "escolas" (tendências) da banda desenhada belga ver este postal de Agnés Deyzieux.