A situação dos serviços públicos de Saúde é complicada. E tendendo para o deficitário face às expectativas sociais. Nos últimos dias, para além dos consabidos problemas estruturais e das reclamações dos sectores profissionais, aconteceram mortes em instalações públicas que convocaram a atenção. Há uma década alguns lamentáveis incidentes similares convocaram uma chuva de reclamações na imprensa - na redução de maternidades proposta sob Correia de Campos e, depois, durante o governo de Passos Coelho. Mas agora a reacção da imprensa (jornalistas e colunistas) é muito mais pacífica. O poder de Costa é-lhes mais atractivo, mais sexy.
Nos últimos 27 anos o PS esteve no poder, a solo, durante 21. É assim absolutamente inaceitável a continuidade do discurso que responsabiliza a "direita" e os seus "interesses privados" (os "barões da medicina", como alguns ainda adornam) pelo estado actual dos serviços de saúde públicos. É um aldrabismo, puro e simples.
A governação da ministra Temido exerce-se há sete anos, ela tem o posto há quatro e é o seu terceiro governo consecutivo. E sobre o seu desempenho é relevante percebermos a influência de uma imprensa - a institucional e a dita de "cidadania", a dos apparatchiki, avulsos nas redes sociais - que cria "boa imagem", ao governo e a alguns dos seus membros. E a esta ministra, muito em particular.
Recordo que durante o longo período sob a Covid-19, muito se falou, bem e mal, fundamentado e infundamentado. Mas nada vi tão baixo como este episódio: no início de 2021 Portugal tornou-se, por algum tempo, um dos piores países do mundo, talvez mesmo o pior, no controlo da pandemia. É evidente que o rumo desta era algo inesperado e que os seus efeitos seriam sempre duríssimos. Mas tal descontrolo nacional muito se deveu à atrapalhação governativa (executiva e comunicacional) durante o Outono-Inverno de 2020. Nesse nosso pico pandémico - com o sistema de saúde em sobreesforço - vingou o "negacionismo" informativo: passados alguns meses foi notícia constante a "catástrofe indiana", pois naquele país de infraestruturas sanitárias bem mais escassas do que as nossas, morriam diariamente cerca de 11 vezes mais pessoas do que naquele nosso Janeiro. Mas os indianos são 140 vezes mais do que nós!... E aqui o que se afirmara não fora a "catástrofe lusa" mas sim, ao invés, a excelência de Temido. Esse trabalho propagandístico foi eficiente, por mais baixo que o possamos considerar: lembro que no rescaldo de uma entrevista de Temido à RTP, onde ela se escapou às críticas respondendo de modo abrasivo, tornou-se "viral" (como se deixou de dizer...) um apoio partidário que a tratava como "Super Marta". Quando éramos, repito, um dos piores ou mesmo o pior país do mundo nos efeitos da Covid-19.
De facto, Temido era má ministra antes da Covid-19. Não foi uma boa ministra durante a Covid-19. E não é a ministra necessária para o pós-Covid-19. Tem uma "boa imagem", pois não é um decano façanhudo e porque teve a imprensa (a institucional e os tais avençados) a cuidar de si. Entretanto, o SNS está numa crise estrutural profunda. E anunciada. E ela nada tem para responder.
Mas nada ganharemos se apenas a tornarem numa "cabra expiatória", enviando-a para um qualquer posto internacional. Pois, de facto, o problema ultrapassa-a. E o cerne é este, repito-me: nos últimos 27 anos o PS esteve no poder, a solo, durante 21. Com vários governos, primeiros-ministros e ministros da Saúde. E o SNS está como está. É esse o busílis. Necessário para reflectir antes da próxima e necessária demissão de Temido. Que não é "Super" nem nunca o foi. A não ser nas palavras avençadas. E nos aplausos inconscientes. Até suicidários.