Um Natal Rácico
Uma ríspida constipação tússica impôs-me um Natal solitário, para evitar contagiar a família. Isento da fartura de bacalhau, rabanadas, sonhos, coscorões e quejandos, e do fervilhante convívio com os mais-queridos, terei sido mais atento aos derrames televisivos, tanto às notícias dos dias como ao cardápio dos obrigatórios filmes da quadra. Ou seja, a dieta incrementou o meu estupor diante deste revanchismo sociopata do governo - e da sociedade - israelita, o qual amansei com uma panaceia tomada em duas cápsulas, num dia o filme "Pretty Woman", no seguinte o "Notting Hill".
Hoje, e porque já menos alquebrado eximi-me a ver pela enésima vez o tão obrigatório "Pale Rider". Mas, pois ainda convalescente, enrolei-me em manta e de ceroulas e pantufas assisti a uma simpaticíssima entrevista com o dr. Montenegro, passeando pelo tão aprazível litoral de Espinho, durante a qual o candidato apresentou os itens fundamentais do seu programa eleitoral. Pouco depois, já eu de chá de cidreira em punho, acompanhei o comentário político do inefável dr. Júdice. O qual me deu uma novidade - ao saudar efusivamente um inquérito feito pelo Instituto Nacional de Estatísticas, incidindo sobre as dimensões "étnicas e raciais" da população. Impante com a conquista civilizacional do nosso Estado, o referido dr. Júdice não deixou de salientar que a França não faz este tipo de questionários, algo que considerou ser causa dos problemas que aquele país tem. Deixando assim implícito que ao invés de outros países que assumem tais metodologias classificatórias, onde decerto inexistirão os tais não elencados problemas...
Mas fiquei genuinamente supreendido. Pois não tinha conhecimento de tal inquérito nem, muito menos, de que o INE já assumira esta classificação dos habitantes do país. Distracção minha, pois esta é uma verdadeira vitória política da esquerda comunitarista, dita "identitarista". Há uma imensa literatura internacional sobre o assunto, uma muito militante paladina desta classificação dita "racial" e "étnica" das populações - com grande ênfase em documentação institucional e no "activismo intelectual", toda de retórica benfazeja, e muita dela com implícitos revolucionários -, outra a isso avessa.
Não me vou abalançar a fazer uma súmula disso, para nisso promover um qualquer requebro bloguístico. Julgo saber, pelo que li num artigo de um demagogo antropólogo, que o nosso país é um "apartheid". E também que a nossa população - pelo que também li de um outro qualquer demagogo - é maioritariamente crente num "racismo cultural". Um Inferno, luso. Ainda assim prefiro ir ler os resultados do Boxing Day. E esperar que amanhã já esteja eu rijo para ir levantar os últimos exames médicos, para em breve me apresentar ufano diante da consulta aprazada para o início do ano em que serei sexagenário, impregnado que estou desta moinha duvidosa sobre se esta velha carcaça ainda aguentará mais uns tempos. Pois, de facto, é-me isso bem mais relevante do que gastar tempo a discutir esta gente, coisa afinal sem qualquer préstimo.
Ainda assim, e antes dos resultados da bola inglesa, fui ver o inquérito. Está aqui. E começa mais ou menos assim o texto estatal: "A pergunta sobre a autoidentificação étnica, à qual os respondentes poderiam assinalar mais do que uma opção do grupo a que consideravam pertencer, compreende as seguintes possibilidades de resposta: asiático, branco, cigano, negro, origem ou pertença mista" (p. 2). Sorrio. E no monólogo deste sozinhismo murmuro um arrastado "foda-se...", enquanto me noto a menear a cabeça. E depois sai-me um "este país é mesmo dos Tavares...". "E dos Júdices", complemento enquanto me levanto, pois nem vale a pena argumentar. Escorropicho o chazinho de cidreira, já morno. E vou-me servir de um uísque.
E assim fico, um branco com um uísque.