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Nenhures

Mário Murteira.jpg

É através do seu filho Jorge, meu bom amigo, que sei passar-se hoje mesmo uma década sobre a morte de Mário Murteira. Economista de longo percurso, de quem fui aluno no mestrado - em "Desenvolvimento " e "Estudos Africanos", âmbito de problemáticas que lhe foi relevante. Homem marcante, pelo saber, aquele que explicitava e o que exsudava, feito de ironia e problematizações, tornando-o aquele raro tipo de professores que não "ensina" e muito menos doutrina, mas que faz medrar intelectos através da partilha de indícios, pistas, dúvidas. E de algumas certezas, também. Estudar "Desenvolvimento" no início dos anos 1990s, tão em convulsão o mundo de então e também as teorias dominantes, era um desafio. Que o já "velho" professor (teria então, grosso modo, a idade que tenho agora) não só assumia como dinamizava, figura grada daquele primeiro curso de mestrado, "interdisciplinar" e nisso ainda um pouco indisciplinado, vocacionado para alimentar de quadros do então recente sector de "cooperação" estatal. Era um grande professor, plácido e colhendo reverência discente... E um Senhor, raro assim. E atento, ao mundo (o tal então em polvorosa) mas também às pessoas circundantes.

Uma década depois ensinou em Moçambique, acompanhando a abertura de uma faculdade de gestão, julgo que algo articulado com o seu ISCTE. Tivemos (a então minha mulher também tinha sido sua aluna, colegas que havíamos sido) o privilégio de o receber em nossa casa - ainda na Engels, lembro -, ouvindo-o discorrer sobre o real mas também procurando corresponder à sua curiosidade sobre o que nos rodeava, coisa rara nos "intelectuais" habituais que nos visitavam, usualmente cheios de vontade de dissertarem as suas opiniões sobre a realidade local que não conheciam. Sua curiosidade que era sinal, supremo, da sua inteligência.

 

Após a sua morte deixei uma pequena nota sobre o seu último livro, já póstumo, o "Esta Noite Sonhei com a Crise". Depois fui ainda surpreendido pelo convite do "Caderno de Estudos Africanos", então a revista do centro de investigação em estudos africanos do ISCTE, para escrever um pequeno texto em sua memória. Foram as minhas (canhestras) homenagens a alguém que muito me marcou. E lembro agora, três décadas passadas e nesta década da sua morte, um pequeno episódio, irreverência minha: no final de uma aula, na qual o velho mestre problematizava as questões, teóricas e práticas, económicas e socioculturais, do almejado desenvolvimento, dele me aproximei dizendo-lhe "professor, estive a ler o "A Bend in the River" do Naipaul" - forma muito radical de propagar algum cepticismo para o qual ainda me faltariam muitos kms de estrada para poder afixar.  Ele arqueou as sobrancelhas dedicando-me um longo "ó homem...!". E estava tudo dito. Sobre os diferentes âmbitos de reflexão (os diferentes "registos de crença", se se quiser) que devemos ter na vida.

Deixo, para quem me queira seguir nesta memória comovida - e também encantada - sobre alguém que muito justificou o cá ter estado, o filme memorial que o seu filho Jorge realizou aquando da sua morte:

 

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