08
Set24
Uma década após Moçambique
jpt

Esta fotografia pode ser - se assim se quiser - um estereótipo, nisso do "antropólogo" "branco" imiscuindo-se em "África" (como agente colonial, pós-colonial, neoliberal, marxista-leninista-maoísta, ou etc., escolha-se o epíteto agressor). Representado ao centro (imagem egocentrada, dele engrandecedora, indivíduo na sua completude) entre uma amálgama "autóctone", de gente assim desindividuada. Se assim interpretada dará para um "paper" (ainda por cima porque consta que o tipo, o tal antropólogo, é de "direita", até pior do que os outros).
Ou então, em alternativa analítica, pode ser vista como a fotografia de um quarentão (talvez feliz, e decerto sem o perceber) a trabalhar numa aldeia da Zambézia, muito provavelmente após entrevistar um grupo de mulheres, estas quase certamente a falar das "coisas de género" - e como urgiam e urgem essas problemáticas, pois tanto mais sofrem as mulheres (e também por isso me irritam estes euroburguesotes a reduzirem o "género", a favor ou contra, às questões de implantes e amputações de pilinhas). Sendo esta umas das múltiplas fotos feitas após as sessões, para gaúdio geral - eram os tempos em que os "celulares" com câmeras ainda não se haviam disseminado. E, como tal, não dando para o tal "paper" "póscolonial" (sem hífen), mas mera matéria de memorialismo.
É uma boa memória. Faz hoje (8.9.24) exactamente uma década que parti de Moçambique. Acabara de me tornar cinquentão - nisso me deprimindo. Após 18 anos no país o rumo laboral conjugal convocara o regresso ao "velho continente". E larguei o "contexto" que tão bem calçava. Na véspera da partida separei-me, nisso inflectindo para a minha "pátria amada", um inesperado (ainda maior) descalabro.
Sem pingo de sarcasmo recordo que aqui cheguei como milhares de compatriotas o haviam feito 40 anos antes. A situação global era muito melhor. Nem tanto a individual: sem "local de recuo", nem sequer "contentor", tamanha a despreparação em que incorrera.
Tal era o meu desnorte que nem me lembro bem daqueles primeiros meses, apenas laivos: um congresso africanista em Coimbra, para onde fui no dia seguinte ao regresso, pois estava inscrito, eu em frenesim absoluto, tamanho o "stress" em que vivia, e estupefacto com a mediocridade circundante. Da Ana, minha querida amiga/colega/veterana de Moçambique, me dizer ao fim daqueles dois dias de Lusa Atenas, vendo-me desampararado na sessão festiva final - e com um ou dois uísques a mais para o que naquelas minhas condições poderia aguentar - entre uns bacocos póscoloniais de jargões armados, "Zé, aqui (Portugal, entenda-se) nunca encontrarás a tua mesa de Maputo" (que ela bem conhecia), explicitando a vacuidade lusa face à densidade "de experiência feita" a que estávamos habituados.
E sim, o frio, abrir o roupeiro, tirar uma camisa e ao vesti-la arrepiar-me do gélida que estava. A burocracia letal, a esmagar-me. Esquerdalhas a clamarem pelo "empowerment" e a abespinharem-se quando o mais-velho lhes propunha usar "potenciar", sinal de que era eu um vero fascista. Investigadores financiados a considerarem que os problemas pátrios (ou mesmo do mundo) se condensavam no conceito "Passos Coelho". Mas, muito pior, a solidão do desamor, conjugal, e a distância filial.
Felizmente tive um muito competente "IARN"... A minha família, acolhendo-me como filho pródigo (que literalmente era), nisso ainda a minha mãe (que nada me perguntou sobre o meu desarrumo, sua elegância materna). E uma alargada "velha guarda", amigos que são mais do que verdadeiramente consanguíneos. Comovo-me, não pela efeméride (raisparta esta...) mas ao pensar neles. Obrigado, "camaradas e amigos".
O ano passado os meus compadres Pedro e Catarina levaram-me à Colômbia. Descobri que ainda cá estou. Mais magro do que nesta fotografia. Mais velho, agora mesmo mais-velho sexagenário. Mas ainda digo, voltei a dizer, "avante". Obrigado Pedro, obrigado Catarina.
Enfim, por isso "Avante!", para mais dez anos!
(No dia da partida, há exactos dez anos, deixara esta despedida: A Papaia)






