Vai para a tua terra!
(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo, "Ljubomir Stanisic", manifestação na Baixa de Lisboa, 14.11.2020)
O meu amigo Miguel Valle de Figueiredo continua, paulatinamente, a fotografar esta época do Covidoceno lisboeta - e lembro que já publicou o livro "Cidade Suspensa: Lisboa em Estado de Emergência". Anteontem foi à Baixa fotografar a manifestação de trabalhadores do sector da restauração que ali decorreu. Não conheço o pormenor das reclamações apresentadas nem sei quais os "orgânicos" organizadores. Enviaram-me um filme telefónico com um discurso, algo tétrico, um orador numa torrente de imprecações e insultos a tudo e todos. Boçal. Mas uma boçalidade tão desesperada que pungente, até cativando piedade - talvez o menos solidário dos sentimentos ...
Uma das imagens que o mvf trouxe foi esta, um (ao que me dizem) conhecido cozinheiro e dono de restaurante, Ljubomir Stanisic, que é figura relevante deste movimento profissional, e que tem tido discursos críticos ao poder político - nunca o ouvi, dizem-me que assim é. Trata-se de um cidadão português, antigo imigrante proveniente da Bósnia-Herzegovina.
Entretanto o que leio nas redes sociais?, para o que me chamam a atenção? Um deputado socialista alude ao financiamento bancário que o homem tem, como se isso possa minorar os seus direitos de cidadania - numa óbvia, ainda que subjacente, ameaçadora alusão ao seu estatuto de ex-imigrante, qual cidadão deficitário [e não substituirão o deputado, ainda por cima conhecido por se furtar a uma pena devido a condução inebriada, através de influências políticas, algo vergonhoso ... Pois pecar todos pecamos mas se assim é penar também é para todos]. E leio inúmeras pessoas invectivando que o homem volte para a terra dele. Assim mesmo, sem mais. Que isto de um "estrangeiro" criticar o governo é inaceitável. Esteja ou não naturalizado, pouco importa ... Esta mole humana socialista pensa - e alguns deles falam e escrevem - exactamente como a rapaziada do Chega. Já se vira aquando da eleição do Bolsonaro, quando no Expresso, no DN, na junta de Arroios e por tantas socialistas casas e teclados, se escreveu (e "laicou") que fossem os imigrantes brasileiros expulsos pois maioritariamente eleitores do novo presidente (esse uma peça irrecomendável, mas isso é assunto deles).
Amigo cruel chama-me a atenção para que um deputado (e plumitivo) socratista aproveita a onda e alude pejorativamente à "macholice" deste homem. Uns gritam a este português que vá para a terra dele porque criticou este governo (e mesmo que fosse imigrante isso seria curial, mas a tanto já não se pode imaginar que esta gente chegue ...). E este socratista chama-lhe "machola", como se diminuindo-o.
Fosse este homem oriundo de outro qualquer recanto onde tivesse havido guerra fraticida, tivesse este homem outra cor de pele, e estes pantomineiros gritariam pelo seu direito à livre expressão - para dizer as patacoadas que entender, o que muito provavelmente é o caso. E se fosse um invertido histriónico, uma "bicha louca", também o defenderiam com dentadas e unhadas, ao seu direito para que se exprimisse em liberdade consoante a sua "natureza". Mas não neste caso. Pois, pior do que tudo, crítico do PS. Por isso estrangeiro, devedor, atrevido, até ingrato. "Machola".
Esta gente - locutora, laicadora, e os tantos habituais das "boas causas" agora tão inertes nos clics (des)laicadores e nos irados "indignismos" - é o "Chega". Imunda.